sábado, 31 de julho de 2010

Encanto Sedutor - Carol Marinelli



Sofisticação e sensualidade em cenários internacionais.

Levander Kolovsky tem um passado sombrio e pe¬rigoso. Ele confia apenas em si mesmo e não quer dar seu nome a nenhuma mulher ou filho.
Millie voltou à Austrália para reencontrar Levander. Afinal, eles tiveram uma noite inesquecível juntos... E agora, ela vem lhe contar um segredo: está espe¬rando um filho dele...
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Capítulo Um

Estavam terminando, concluiu Millie.
Ou melhor dizendo, ele estava terminando com ela.
Para evitar que sua cabeça congelasse enquanto ser¬via aos clientes naquele restaurante fino em Lembourne, Millie Andrews inventava um cenário para cada uma das mesas que atendia.
E agora, já depois de meia-noite, só havia três mesas a servir.
Uma delas era um jantar de celebração regado a be¬bidas, que felizmente começava a se dispersar agora que o bar estava fechando. A segunda era um casal bas¬tante estressado. A mulher tinha cumprido a obrigação de comer peixe com salada, e era evidente que estava desconfortável dentro do vestido de veludo negro, mui¬to apertado. Millie concluiu que ela devia ter tido filho recentemente e sentia-se constrangida de sair com o marido bonitão.
— Você não quer mesmo sobremesa, não é, querida?
E por fim havia o casal bonito.
Loura, esbelta, agitada, uma mulher formidável im¬plorava a seu companheiro de mesa:
— Por favor, escute. — Seu tom de voz era pre¬mente, e ela procurava a mão dele.
Millie não conseguia decifrar. Marido, noivo... Não parecia. Namorado? Amante, talvez... Ele estava lá sentado, ouvindo impassível, praticamente imóvel aos ape¬los desesperados da mulher.
— Por favor, se você me ouvisse...
Eram tão ricos que nem sequer notaram a garçonete que retirara os pratos praticamente intocados, espi¬chando os ouvidos para escutar a bela loura imploran¬do uma chance, com os olhos azuis brilhando de lágri¬mas, engasgando-se com as palavras e procurando as mãos dele de novo.
— Antes de você dizer que não pode ser, escute o que tenho a lhe dizer primeiro, por favor.
— Talvez você deva tentar ouvir. — grunhiu ele. Tinha uma voz profunda e baixa, com sotaque, mas até então as únicas palavras que dissera a Millie eram:
— Bife malpassado e salada de tomates. Assim, não conseguia identificar o sotaque.
— A noite toda estou lhe dizendo que não, e você ainda insiste.
— Por que acha que insisto, Levander?
Russo, Millie reconheceu por fim, demorando-se bas¬tante ao retirar os pratos da mesa. Ele mal havia tocado a salada; tinha comido só metade do bife. Para obede¬cer ao protocolo, deveria ter lhe perguntado se estava satisfeito, se havia algum problema com a refeição dele, mas a conversa intensa e o estado de espírito dele não incentivavam nenhuma interrupção, e uma vez que era sua última noite em Melbourne, o protocolo que se danasse.
— Você insiste porque tem esperanças de que eu mude de idéia. Quantas vezes você vai ter que me ouvir dizer que não vou mudar de idéia?
Apesar de saber que a cozinha tinha fechado há al¬gum tempo, Millie estava tentada a oferecer o cardápio de sobremesa. Queria continuar ouvindo.
Eles a fascinavam.
Estava em êxtase desde que entraram.
Fascinada por ele.
Ao passar pela porta, reto, pensativo e vagamente fa¬miliar num terno cinza, afrouxando a gravata enquanto seus olhos exprimiam desagrado pelo ambiente, um murmúrio se espalhou e todas as cabeças se voltaram, especialmente a de Millie, que tentou, mas não conse¬guiu acomodá-lo numa mesa. Ross, o gerente correu na frente e os guiou para a mesa mais reservada nos fundos do restaurante, e depois preveniu Millie antes de despa¬chá-la para atendê-los:
— Faça tudo que eles pedirem, está bem?
Sua acompanhante era linda, sim, mas se apagava porque ele era extraordinário.
Como artista, Millie constantemente tinha que res¬ponder à pergunta sobre a origem de sua inspiração, e aqui estava parte da resposta.
A inspiração vinha dos lugares e nos momentos mais inesperados. Doze horas antes de deixar a Austrália para voltar para casa, em Londres, sua cabeça deveria estar cheia com a lista de "coisas para fazer". Deveria es¬tar contando a gorjeta, imaginando se ia poder pagar pela noite em Singapura que tinha reservado no cami¬nho. Em vez disso, estava consumida pelo homem fas¬cinante. Sua beleza era, literalmente, inspiradora.
Sua estrutura óssea era impecável e suas feições fa¬ziam com que seus dedos procurassem por um papel de desenho para capturá-la: em perfeita simetria, como em todas as belezas verdadeiras, os ossos da face contorna¬vam seu rosto, um queixo forte, com a barba por fazer, que contrastava com a pele clara. A cabeleira longa e densa era da cor de carvão, e seus olhos tinham a mesma beleza encantadora, de cor negra profunda e mais bri¬lhante.
Sua companheira era deslumbrante — possivelmen¬te uma das mulheres mais bonitas que Millie havia vis¬to —, mas apagava-se a seu lado. A luz de todo o res¬taurante foi um pouco ofuscada, e ela queria capturar aquilo, fazer dele o único foco — como as infindáveis bonecas russas, Millie meditou, vendo o embrião da pintura que ela criava na mente: ele, o maior destaque, e o resto — sua acompanhante, os outros clientes, o quadro de funcionários, a rua lá fora, objetos diminuin¬do gradativamente, até que não houvesse mais nada.
— Você é um filho-da-mãe frio — sibilou a acompa¬nhante do outro lado da mesa, quase cuspindo as pala¬vras. Mas Millie notou que ele nem sequer vacilou nem tentou contestá-la.
— Deve ser hereditário.
— Então é isso? Depois de tudo que eu disse você fica aí sentado?
Ele continuou sem responder, entediado. Teve a au¬dácia de bocejar enquanto ela explodia em lágrimas.
— Você nem vai pensar sobre isso?
Novamente ele não respondeu, e apesar de Millie ain¬da não ter conseguido saber qual era o status dela, ainda soluçando e de certa forma elegante, a loura retirou-se cambaleante do restaurante. Estava claro que perdera o cargo que tinha há poucos minutos. Nesse momento era uma ex.
— Ela agora espera que eu vá correndo atrás dela...
Aqueles olhos escuros a encararam, seus cílios tão espessos, seu olhar tão intenso que, por um segundo, o mundo de Millie parou.
Eu esperaria, pensou Millie, atordoada porque ele es¬tava falando com ela, porque não parecia nem um pouco perturbado por ela ter presenciado esse momento tão pessoal.
— Vou ficar sentado aqui mais um pouco, espero que ela entenda a mensagem e vá para casa.
— Ou talvez ela ligue para você no celular — Millie disse corando, porque apesar de parecer uma conversa inocente, era inapropriado que ela, uma humilde garçonete, fizesse comentários. As ordens da gerência eram claras: deveria sorrir educadamente e seguir em frente.
Só que não foi isso que ela fez.
Optou pelo caminho das boas maneiras. Os olhos dele cravaram-se nela e o impacto da proximidade, de estar conversando com ele, foi devastador. Ele certamente sa¬bia disso, porque em vez de olhar para o outro lado, em vez de dispensá-la, respondeu com uma pergunta:
— Você esperaria?
— Talvez.
Quando conseguiu falar, a voz saiu sem que pudesse respirar. Sua blusa de repente estava tão apertada que lutava para encher os pulmões de ar, sua pele ardia e não porque Ross, seu gerente, a estava olhando e fran¬zindo a testa por vê-la de conversa com um cliente.
— Quando eu me acalmasse, quando eu...
Ela não terminou porque, coincidentemente, o celu¬lar dele tocou. E naquele momento Millie foi além dos limites. Em vez de se virar e sair discretamente, em vez de voltar para o bar para deixá-lo atender à ligação, ela ficou ali, observando-o pegar o telefone com dedos tão longos, pálidos e finos que Millie se perguntou se ele também era pintor — imaginando se aquela seria a ra¬zão pela qual estava tão atraída por ele.
— Obrigado pelo aviso — disse ele, desligando o telefone.
— De nada — respondeu Millie, com o rosto arden¬do de excitação, e pela primeira vez íntima do sorriso sem pudor que lhe aflorou no rosto.
— Outro.
Ele apontou para o copo e Millie quase disse que não, que o bar tinha fechado há dez minutos. Mas dando uma olhada para seu chefe, e balançando furiosamente a ca¬beça, ela sorriu e dirigiu-se ao balcão.
— O que estava acontecendo? — perguntou Ross logo que ela se aproximou.
— O quê?
— Vamos, Millie, não brinque comigo. Que conversa íntima era aquela que você estava tendo com Levander?
— Ele só estava falando.
Millie corou, não só por ter sido flagrada flertando, até seu nome era sexy.
— Foi você quem disse que tinha de atender à mesa em tudo. Teria sido indelicado eu me retirar.
— Você sabe como lidar com isso. — Ross olhou-a ameaçadoramente.
— Você quer que eu leve esse drinque para ele?
— Claro que não.
— Millie balançou a cabeça, mudando rapidamente de assunto enquanto Ross colocava uma generosa por¬ção de vodca no copo.
— Quer que eu sirva o vinho do porto que aqueles executivos queriam? Podem ficar frustrados se nos vi¬rem servindo outro cliente.
— O bar está fechado — disse Ross, colocando o drinque para que Millie o levasse. — Pelo menos para qualquer um que não seja um Kolovsky.
— Kolovsky?
Millie franziu o cenho, esperando que ele explicasse, mas Ross só deu um sorriso.
— É dinheiro em russo!
Colocando o drinque na frente do homem, Millie fi¬cou curiosamente desapontada quando ele não olhou para ela, nem deu um distraído obrigado. Em vez disso, olhou fixamente para o outro lado do salão e para a rua lá fora, tamborilando os dedos. Ela nunca levou tanto tempo para servir um drinque, pegar alguns copos va¬zios e esperar — até que ele a trouxesse para o foco, para mais uma vez, ainda que por um momento, ser a mulher que chamou sua atenção.
Só que ele não fez nada disso.
— É melhor você ir para casa, Millie.
Ross se aproximou enquanto o último executivo de¬sordeiro finalmente se retirava, mas as palavras tão ansiosamente esperadas não soaram tão doces agora. Apesar de seu cansaço, apesar de uma mala vazia es¬perando para ser feita e um vôo para pegar de volta para Londres pela manhã, de repente não queria ir. Olhando para a mesa, observava-o recostando-se na cadeira, tomando um lento gole do seu drinque. Ross fez o mesmo.
— É melhor eu começar a fechar a contabilidade. Pa¬rece que já terminou por hoje.
Millie não pôde fazer nada, mas ficou chateada — ser¬vir um drinque extra para um cliente especial era uma coisa, mas Ross sentar-se e esperar uma ou duas horas era inusitado. Dessa vez Ross ficou feliz em explicar:
— Ele dá uma gorjeta muito boa, como você vai ver.
De uma pasta de veludo preto, retirou uma quantida¬de enorme de notas, ficou com a sua parte e entregou o resto a Millie.
— Parece que você vai acabar ficando em Singapura!
— Meu Deus.
— Você merece. Você tem sido uma excelente fun¬cionária, de grande ajuda para o restaurante.
Foi até a gaveta da registradora e lhe entregou um envelope.
— Aqui está sua gorjeta e seu salário, com uma carta de referência, também. Se você voltar um dia para Melbourne, saiba que sempre haverá um lugar para você aqui.
Millie odiava despedidas, mas do que qualquer coi¬sa. Ross não era tão amigo, mesmo assim lágrimas sur¬giram em seus olhos ao pegar o envelope. Talvez fosse a emoção tomando conta, talvez fosse o fato de que ela nunca voltaria, sua viagem dos sonhos para a Austrália para mostrar sua arte tinha sido um grande fiasco, mas, seja lá por qual razão, ela lhe deu um abraço.
Sem esse emprego ela teria ido para casa semanas antes. Sem esse emprego ela ainda estaria se perguntan¬do se teria dado certo.
Gostasse ou não, pelo menos agora ela sabia a res¬posta.
Havia milhões de coisas que ela tinha de fazer, mas, em vez de dobrar à esquerda ao sair do restaurante, Millie dobrou à direita, velozmente pela rua Collins, com sapatos de saltos gastos, quase que sem olhar para as lojas, dirigindo-se à galeria para uma olhadela final no seu trabalho que estava na vitrine.
E então ela viu aquilo. Sua cabeça se virou tão abrup¬tamente que Millie teve um torcicolo ao correlacionar um rosto muito bonito com um nome muito pomposo.
Casa de Kolovsky.
A fachada azul da cor do céu e as letras douradas, em relevo, eram conhecidas em todo o mundo — ainda que esse mundo fosse tão distante de Millie que até o mo¬mento ela não tinha notado o edifício. Incapaz de resis¬tir agora, entretanto, ela balançou para a frente olhando demoradamente para a vitrine magnífica, enfeitada com muita seda, que era a marca registrada de Kolovsky, com opalas do tamanho de ovos de gaivota jogados apa¬rentemente ao acaso, mas com efeito tão impressionante que Millie tinha certeza de que cada jóia havia sido colocada ali com precisão militar, junto com as mi¬núsculas lâmpadas que cintilavam, capturando a cor leve do tecido.
Kolovsky era famoso por suas impressionantes cole¬ções de moda, assim como pelos tecidos em si: seda rica, pesada, com o mesmo efeito mágico das opalas — capturando a luz e, comentava-se, até mudando de cor de acordo com o humor da mulher. Millie não acreditara quando leu a informação numa revista, mas com o nariz praticamente de encontro à vitrine, observando o peso dos tons fabulosos e a atenção luxuosa aos detalhes, Mille quase se convencera. O que achava difícil acredi¬tar, entretanto, era o que havia acontecido mais cedo. Tinha flertado com Levander Kolovsky em pessoa.
Ela o havia visto antes, lembrava-se agora: playboy notório, o queridinho dos tablóides em Melbourne, todos os seus movimentos, comentários, cada encontro seu, infalivelmente registrado de forma caluniosa.
Millie deu uma gargalhada. Ela flertara com o maior libertino de Melbourne. Espere só até ela contar para Anton!
Afastando-se da vitrine, Millie se permitiu um último vislumbre. Teria adorado vestir-se com algo tão requin¬tado. Não que pudesse se dar ao luxo de ter um. Suspi¬rou, recomeçando seu caminho e passando pelas poucas portas até a galeria. Não podia se permitir nada nesse momento, que era como um artista atormentado tinha que começar, Mille repetiu para si mesma. Mas esse in¬centivo estava começando a perder força, a realidade fria batendo enquanto ela permanecia na calçada do lado de fora da galeria.
Logo em seguida ela não seria mais uma artista esfor¬çada.
Em vez disso, seria professora.
Percebendo uma luz acesa do lado de dentro, Millie ficou bem para trás, não querendo que Anton, o dono, visse suas lágrimas ao dar adeus aos seus sonhos.
— Qual deles é o seu?
Quanto tempo ficara lá admirando, Millie não fazia idéia. Estava tão perdida em seu mundo que não notou alguém se aproximar. Somente agora percebera que es¬tava perto dela, e cada nervo fervia com a consciência disso.
— Aquele.
Millie apontou com mão trêmula para um pequeno quadro a óleo, imaginando que valor ele teria. Era um campo de flores e grama, cada folha sorrindo, cada flor com uma expressão diferente e, no meio, havia uma criança de madeira, sem rosto — era simplesmente sua peça favorita, evocando nela tamanha emoção e lem¬branças que na verdade lhe machucaria muito se fosse vendido. No entanto, era aquele que tinha esperança que lançasse sua carreira.
— Você estava drogada quando pintou isso?
— Não.
Millie deu um sorrisinho, não só pela pergunta, mas da maneira como foi pronunciado. Seu inglês, apesar de excelente, era carregado com um pouco de um sotaque, e um comentário ofensivo parece de algum modo sexy era certamente positivo para ele.
Ela deu uma olhada para ele. Seu rosto estava cola¬do à vitrine e ele examinava seu trabalho. Para um ar¬tista era, na verdade, um elogio — alguém tentando se aprofundar no seu trabalho, em vez de olhá-lo de for¬ma rápida e superficial para em seguida olhar o pró¬ximo.
— Meu irmão é autista. Quando era jovem, lembro-me do médico explicando que a razão pela qual ele não abraçava nem beijava ou demonstrava afeição era a ma¬neira como via o mundo. As nuvens, as árvores, a grama e animais eram para ele tão importantes quanto nós. Para ele, as pessoas eram objetos inanimados. Aquela sou eu. — Ela apontou para o objeto congelado e sem vida no meio. Ele examinava a pintura.
— Conheci uma vez uma criança. Gritava quando tinha de ir para a cama. Não só gritava...
Os olhos acinzentados se voltaram para os dela e Millie se sentiu perdida.
— Toda noite era como se estivesse aterrorizado. Você acha que para ele a cama era real? Que talvez pen¬sasse que a machucaria.
— Talvez.
Millie estava perturbada, imaginando a quem ele estava se referindo, querendo saber mais. Mas não im¬portava de qualquer maneira. Porém seu trabalho ter provocado tal questionamento era gratificante por si só.
— Não sei, mas acho que é possível.
— E posso perguntar o nome da artista?
— Pode. É Millie. — Ela sorriu — Millie Andrews.
— Seu sotaque? Inglaterra? Londres?
— Isso mesmo.
— Você está aqui de férias?
— Férias a trabalho. Millie deu um sorriso triste.
— Vou para casa amanhã.
— Pena.
Ela havia sido abordada em muitas ocasiões, mas nun¬ca tão ostensivamente e nunca por alguém tão divino.
— Millie? — ponderou seu nome por um momento. — Não me é familiar. É alguma abreviação?
— Temos que falar disso?
— Como disse?
— Millicent.
Ela fez uma careta.
— Meus pais devem ter sido... — Não chegou a ter¬minar.
Anton estava acenando freneticamente, reconhecendo-a quando chegou à vitrine, acenando para que en¬trasse. Teria sido indelicado dizer que não e continuar naquela deliciosa conversa. Então, extremamente relu¬tante, voltou-se para despedir-se de Levander.
Claramente ele tinha outras idéias. Quando a porta se abriu, em vez de ir embora, ele dirigiu-se à porta, permi¬tindo que ela entrasse primeiro, sua mão segurando em seu cotovelo. Não foi só a sua ousadia que surpreendeu Millie, mas sim o contato — o inacreditável contato fir¬me e afetuoso de macho que a fez ficar mais excitada do que se atrevia a admitir.
— Pronta para o segredo? — A voz efeminada de Anton ressoou no momento em que a abraçava, mas quase instantaneamente ele a soltou, assim que avistou seu acompanhante. — Minha nossa, Millie. E pensei que você estava trabalhando essa noite.
— Estou, estou — gaguejou Millie. — Estava. An¬ton, este é...
— Eu sei quem ele é. — Anton sorriu. — Bem-vin¬do, bem-vindo, Levander e posso dizer que amei sua nova coleção?
— Não é minha coleção. — Levander também sor¬riu. — Cuido do negócio, não da moda.
— Bem, adorei de qualquer maneira — Anton falou com afetação, mas Levander não o ouvia.
Em vez disso, perambulava pela galeria, estreitando os olhos ao se aproximar dos quadros. Alguns atraíam sua atenção, ou¬tros não mereciam nem um olhar superficial.
— Você o conhece? — Millie cochichou rude, mas ela precisava saber mais a respeito dele.
— Todos sabem quem são os Kolovsky.
— Quero saber se você conhece ele.
— Adoraria — suspirou Anton. — A loja pode ficar algumas portas depois da minha, mas os Kolovsky estão a um milhão de quilômetros de distância. Costumava conversar com os gêmeos, entretanto... — Anton sorriu da surpresa dela. — São tão lindos quanto ele. Millie, você tem idéia de quem é essa pessoa? São praticamen¬te uma família real por aqui — Anton respirou —, e seu namorado é o primeiro da linha.
O tom de sua voz decresceu com a aproximação de Levander, e Anton desfez o embaraço ao olhar para ele.
— Estou repreendendo Millie por se atrever a apa¬recer na sua frente com seu uniforme de garçonete; imagino que já a tenha visto quando não está traba-lhando?
— Ainda não.
Levander virou-se e olhou Millie lenta e demoradamente, tirando sua roupa com olhos despudorados du¬rante momentos indecentes, enquanto ela se contorcia. Mesmo sem se voltar para Anton, continuou a falar:
— Porém gostaria muito que isto acontecesse.
— Bem, não fique muito excitado — Anton suspirou.
— Notei que você só tem um quadro de Millie na vitrine. Outros artistas têm dois.
— Os outros artistas venderam.
Anton colocou as palmas das mãos para cima num gesto de impotência.
— Na verdade, Millie, querida... — Pestanejou le¬vemente. — Não vou colocar você para fora da galeria, mas espaço está raro, e com essa nova exposição vou ter de mover.
— Tem mais trabalhos da Millie? — Levander inter¬rompeu. — Gostaria de vê-los, se puder.
— Claro.
Anton arregalou os olhos para Millie enquanto apon¬tava para os fundos da galeria, um espaço pequeno onde, por enquanto, estava o seu trabalho.
— Seu preço é muito baixo.
Levander deu uma rápida olhada pelo trabalho de Millie e meneou a cabeça negativamente.
— E você parece muito desesperada, agradecida de¬mais quando alguém simplesmente se detém para ver seu trabalho, sem pensar em comprá-lo. Precisa aumen¬tar seu preço.
— Estava mais alto — respondeu Millie — e não vendeu.
— Essa é uma galeria de luxo, não é?
Levander esperou pelo assentimento hesitante de Anton.
— As pessoas não querem lixo nas suas paredes, e com esses preços é isso que pensam que estão comprando.
— Ela é uma desconhecida.
Anton baixou a crista vendo que o seu julgamento foi contestado, mas Levander se manteve firme.
— Hoje ela é uma desconhecida.
Virou-se para Millie.
— Mude-os antes de sair. Reescreva sua bio...
Ele virou a página do folheto.
— Cada quadro custa agora o preço da sua passagem aérea, o preço que você pagou para compartilhar o seu talento.
— Não vai funcionar.
— Então não perdeu nada. E ela devia ter pelo me¬nos dois na vitrine.
— Levander.
Anton estava ficando vermelho, flertando, e tentando ser positivo, tudo ao mesmo tempo.
— Millie já teve três meses de exposição na vitrine. Não posso simplesmente.
— Quando é essa exposição que você mencionou? — Levander interrompeu. — Lembro que minha ma¬drasta queria uma outra peça para a loja. Talvez eu deva sugerir que ela venha dar uma olhada?
— Já enviei um convite — Anton disse — e, como sempre, foi educadamente recusado.
— Nina não deve nem ter visto o convite — disse Levander, encerrando o assunto. — Deve ter sido sua assistente que declinou em seu lugar. Se eu falar com ela pessoalmente, posso garantir que virá, e possivelmente meu pai, também. Não tenho certeza se eu estarei dispo¬nível.
Anton estava certo. Millie não imaginava quanto. A simples menção de que eles viriam para a abertura deixa¬ra Anton transtornado, despachando-a logo para escolher outra peça para colocar na vitrine antes que um Levander "agora aborrecido" a tomasse pela mão e a levasse em¬bora.
— Você não tinha que fazer isto. — gaguejou Millie, assim que chegaram à rua.
— Ninguém tem de fazer nada. — Levander deu de ombros. — Seu trabalho merece uma chance.
— Obrigada. Sua madrasta virá à exposição? — per¬guntou ela. — Detestaria ver Anton desapontado, espe¬cialmente se ele me der uma posição de destaque. Ele tem sido mais do que generoso.
— Ela virá — disse confiante. — Não vai querer vir, é claro, mas quando eu disser que está sendo esperada, que aceitei em seu nome, não terá outra saída senão vir.
— Como assim?
— Seria descortês não aparecer, e na minha família aparência é tudo.
— Bem, obrigada. — disse Millie. — Você não faz a menor idéia do que isto significa para mim.
— Sei exatamente o que significa — Levander a corrigiu. — Sei como é importante essa primeira venda, e sim, eu poderia ter comprado seu quadro, dado o selo de aprovação para todo mundo ver, mas isso seria uma fraude, não é?
Em todos os sentidos Millie se deu conta, olhando firmemente para ele. Sua pele era clara na luz da rua, contrastando com as sombras profundas de seu rosto, seus olhos, duas escuras e impenetráveis piscinas.
— Vai vender. Algumas coisas verdadeiramente be¬las nem sempre chamam atenção na primeira vez. — Sua voz era uma carícia. —Algumas vezes você tem de dar uma nova olhada.
Ele estava certamente dando uma boa olhada agora. Seu olhar fixo era tão intenso, seu rosto tão perto que podia sentir o calor da respiração dele no próprio rosto. Pensou por um segundo de felicidade que ele ia beijá-la, mas em vez disso sua voz, rica e profunda, tomou-lhe os sentidos, seus olhos zombeteiros enquanto a avaliava.
— Então parte amanhã?
— Pela manhã.
— E aproveitou seu tempo em Melbourne?
— Na verdade não vi muita coisa. Estive em algu¬mas galerias, alguns shows, mas estava trabalhando.
Sua voz foi diminuindo, sua simples resposta de al¬guma maneira deu uma abertura involuntária.
— Então é melhor começarmos. Venha. Apontou para uma charrete puxada por um pônei que estava parando do outro lado da rua, os turistas descen¬do, o condutor cansado a ponto de desmontar e ir para casa. Ele balançou negativamente a cabeça quando Levander gritou para que esperasse.
— Sinto muito, companheiro. Essa foi a última via¬gem da noite. Estarei de volta amanhã.
— Falo com ele.
— Não faz mal. Já é tarde. — Millie tentou detê-lo, debatendo-se numa areia movediça ao olhar fixamente seus olhos. — E tenho um vôo para pegar amanhã.
— Bastante tempo para dormir no avião, então. Mas um apelo à razão a invadiu. Estava brincando com fogo e seu julgamento era baseado não só no que havia lido. Anton também a havia avisado e a própria companhia dele no jantar não era boa referência.
— Você é um filho-da-mãe frio...
A dor na sua voz era real, a emoção era espontânea — e a resposta de Levander não fez nada para mudar a acusação.
Que diabos ela estava fazendo?
Seria loucura sair com aquele homem.
— Realmente... — Millie engoliu em seco. — Pro¬vavelmente não é uma boa idéia. Eu tenho tanto que fazer e você... bem, você...
— Não se preocupe comigo.
— Você acabou de terminar com a namorada, Le¬vander. Ela não estava para brincadeiras. Você prova¬velmente está se sentindo um pouco.
— Você não tem a menor idéia de como estou me sentindo.
Em vez de se afastar, ele aproximou-se, pegou o ros¬to de Millie nas mãos, sua pele morna na verdade es¬friou em contato com o rosto dela.
— E não terminei com minha namorada. Annika é minha meia-irmã.
— Era com a sua meia-irmã que você estava bri¬gando?
Levander consentiu, seus olhos se estreitando.
— O que você ouviu?
— Nada.
Millie ficou ruborizada. A única coisa que ela ouviu foi que ele era um filho-da-mãe frio, mas não poderia lhe dizer isso.
— Só a vi saindo.
— Só isso?
Depois de uma pequena hesitação ela assentiu com a cabeça.
— Briga de irmãos.
Sua respiração se misturou com a dela, e aquela boca cínica estava tão perto que Millie podia quase sentir-lhe o gosto — como um bolo de chocolate no forno, mexen¬do com seus sentidos.
— Ela é mesmo sua meia-irmã? — Millie perguntou, querendo acreditar, mas ao mesmo tempo temerosa.
Queria que ele a beijasse, mas temia que o fizesse.
— A quem mais permitiria que falasse comigo da¬quela maneira? — respondeu Levander. —Agora, espe¬re aqui.
O que ela havia escutado?
As antenas de Levander ficaram em pé, sua mente cor¬ria, já que se lembrava não só da conversa com Annika, mas também das vezes que Milhe esteve presente.
No começo ele quase não notou sua presença — uma garçonete não merecia nem uma olhada dele, especial¬mente com o assunto tenso que vinha chamando-lhe a atenção — e então ela aproximou-se para tirar o prato.
Seu perfume tinha chegado a ele, seu sorriso um pou¬co desconcertado quando o olhar dele cruzou o dela e daquele segundo em diante Levander agradeceu-lhe pela distração.
Estava agradecido a essa desconhecida que havia dei¬xado sua mente desviar-se desde que Anikka lhe deu a notícia fatal e ditou as exigências dele.
Muito mais prazeroso olhar por sobre os ombros de Annika e observar a mulher, a pele rosada de seu rosto, seus cachos louros, acompanhando cada passada pela porta da cozinha, sua ligeira exasperação ao lidar com a mesa em desordem. Sentira um prazer surpreendente ao observá-la morder a ponta da caneta enquanto esperava para escrever o pedido. E depois, quando Annika ainda insistia, quando tudo era exagerado — sua batalha para manter a calma aparente apesar das emoções batendo dentro dele — foi um alivio quando ela retornou à mesa.
Sua fragrância suave contrastava com o amargo almíscar do perfume dos Kolovsky que Annika usava — um delicado aroma de baunilha e alguma coisa que ele não conseguia definir, como uma lufada de vento fresco — e, ao se debruçar para limpar a mesa, ele havia tentado, mas não conseguiu não notar sua blusa esticada ao se comprimir contra os seios. Na verdade teve de olhar para outro lado quando ela inclinou-se para a frente para pegar um guardanapo caído e percebeu um vislumbre da pele sedosa, do espaço entre seus seios.
Ele a queria.
Entregando ao condutor da charrete um considerável maço de notas, comprou para eles um pouco mais de tempo — mas de alguma maneira sabia que não era su¬ficiente. Que se ele fizesse uma investida muito cedo ela correria como um esquilo subindo numa árvore.
E, no entanto, se fosse sexo o que queria, havia ma¬neiras mais fáceis. Poderia voltar para o hotel, retornar qualquer das inúmeras mensagens que estariam, sem dúvida, na sua caixa de mensagens e se soltar naquela noite.
E como ele queria se soltar.
Como um juiz, ele avaliou amargamente a conversa en¬tre ele e Annika — as exigências da família que foram des¬feridas pelo mais doce, o mais vulnerável deles todos.
Seu pai estava morrendo.
O que, segundo a família, significava que agora não havia maneira de Levander sair — nenhuma maneira de dar as costas às pessoas que, aparentemente, deram a ele tudo o que possuía.
Mais cinco anos de inferno, era o que eles estavam exigindo.
Levander rangeu os dentes diante dessa perspectiva, mas a sentença não terminava aí — uma mulher e uma criança foram adicionadas ao período de liberdade con¬dicional.
Bem, eles todos podiam ir para o inferno!
Ele mais do que cumpriu sua pena; salvara a Casa dos Kolovsky do suicídio financeiro desde o momento em que entrou na empresa. Que agora tivessem a audácia de pensar que ele na verdade devia alguma coisa a eles fez o estômago de Levander se revoltar com repugnância.
Pensar que aquele bastardo, depois de tudo que ele havia feito.
— Ei! — A voz doce interrompeu-lhe os pensamen¬tos sombrios, seu sorriso, seu rosto confiante contrasta¬vam com os das mulheres orgulhosas que ele estava acostumado a lidar.
— Você conseguiu persuadi-la?
— Claro — Levander respondeu calmamente. — Sou persuasivo.
Observou seus olhos se arregalarem um pouco, regis¬trou o pequeno movimento no pescoço à menor provo¬cação e queria desesperadamente beijá-la, empurrar aquele corpo macio de encontro a uma parede, pressio¬nar os lábios contra os dela, sentir sua pele macia e chei¬rosa, levá-la para o hotel e fazer amor com ela.
Para de alguma maneira se refugiar da tempestade de seus pensamentos. Mas, estranhamente para Levan¬der, isso não era tudo que ele queria dela.
Pela primeira vez Levander queria mais do que a pai¬xão de uma mulher para preencher sua noite.
Queria sua companhia

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