sábado, 31 de julho de 2010

O HOMEM PERFEITO - Anne Gracie



Quem leu o 1º livro da série Irmãs Merridew deve estar curioso para saber o que aconte com as outras irmãs, este é o segundo livro dessa série emocionante. Quem se emocionou e se divertiu com as aventuras de Prudence, não deve perder a continuação, dessa vez a historia é da Hope.

Londres, 1818

Ele queria uma noiva... e encontrou o amor!

Os salões de baile londrinos não são o ambiente adequado para um pária da sociedade como Sebastian Reyne. Mas suas irmãs mais novas precisam urgentemente de alguém que cuide delas, e por isso Sebastian está à procura de uma moça ajuizada e responsável com quem possa se casar. Certamente, não alguém como Hope Merridew, uma jovem linda, mas impetuosa e atrevida!
Hope nota o evidente interesse de Sebastian, e se sente atraída por seu charme sedutor. Para ela,
Sebastian Reyne parece um príncipe encantado, o homem que tem tudo para realizar seu sonho de dançar a valsa perfeita! Mas quem poderia imaginar que uma simples dança acenderia a chama de uma paixão tão intensa, que os envolveria numa emocionante intriga de sensualidade e desejo?
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Prólogo



Manchester, Inglaterra, Março de 1818

A irmãzinha de Sebastian Reyne estava prestes a fazer um mergulho fatal no pavimento de pedras frias e escurecidas pelo tempo.
— Não pule, Cassie! Fique parada! — Ele tentava falar com calma, descendo do cavalo e passando as rédeas ao serviçal.
Mas, afinal, o que Cassie fazia no telhado?!
— Não se mova. Já estou subindo para salvá-la.
— Não quero ser salva! — Cassie gritou e deu um pequeno passo para a frente, confirmando suas intenções.
— Nesse caso, volte para dentro agora mesmo.
— Não enquanto aquela velha rabugenta estiver lá! — A menina avançou um milímetro, e todos estremeceram quando seu pezinho escorregou.
Uma telha se desfez em pedaços no chão.
Sebastian seguiu o olhar de Cassie para a janela onde a governanta, a srta. Thringstone, se debruçava. Quando a senhora o viu, soltou um som que parecia mais um ganido agudo e furioso:
— Ela me desafiou! Na verdade, me bateu! Essas garotas são incontroláveis...
— Aguarde-me em meu escritório, srta. Thringstone! Falarei com a senhora depois que Cassie estiver em segurança dentro da residência.
A governanta hesitou por um segundo, para, com toda a dignidade, se retirar.
Em seguida, Cassie quis saber:
— Ela se foi?
— Sim. — Sebastian a fitava com severidade. — E se tiver o mínimo de consciência do que é melhor para você, sairá já daí!
— Não vou entrar para levar uma surra de você também!
Também?
— Não vou bater em você, Cassie, mas terá de me dar explicações. E, se for o caso, será punida.
Com o coração aos saltos, Sebastian olhava Cassie se movendo devagar na direção do cume da casa. Outra telha se espatifou. Ela seguiu na direção da janela do sótão, e Sebastian respirou, aliviado.
— Agora a mocinha vai me explicar o que significou aquela cena.
— Não aconteceu nada, Sebastian. Eu nem sequer caí.
— Desafiou a srta. Thringstone? Cassie balançou a cabeça com rebeldia.
— Sim, desafiei! Sei que não deveria, mas não ligo. Odeio aquela mulher! — Cassie pôs o braço sobre o ombro da irmã caçula. — Nós duas a odiamos.
Pelo menos ela admitira ter feito algo errado. Já era alguma coisa. Sebastian deu uma olhada para a pequena de onze anos, Dorie, que, cabisbaixa, encolhia-se de medo.
— A função da srta. Thringstone é ensinar-lhes boas maneiras, Cassie. Sei que não deve ser fácil encarar todas as mudanças. Mas a governanta está aqui para ajudá-las.
— Nós detestamos aquela bruxa velha, e não vamos aprender nada com ela!
Sebastian ignorou o linguajar. Cassie estava fora de si, e nos últimos quatro meses ele percebeu que, se tivesse paciência para ouvi-la, na certa ela lhe daria um motivo — não necessariamente bom — para aquela atitude despropositada.
— Por que bateu nela, Cassie?
— Porque ela bateu em Dorie!
Sebastian fez uma careta. Quando as irmãs chegaram àquela casa, não passavam de duas maltrapilhas magricelas; Dorie, calada e trêmula, e Cassie, hostil e fingindo indiferença. Ele jurou, então, que daquele dia em diante elas nunca mais seriam espancadas de novo. A governanta recebera instruções claras de que, não importasse o que acontecesse, jamais poderia bater nas meninas. Em hipótese alguma. E que deveria informar a Sebastian qualquer desvio de comportamento.
— A srta. Thringstone bateu em você, Dorie? Mas por quê? Cassie se adiantou:
— Ela deu um tapa no rosto de Dorie porque ela se recusou a responder a uma pergunta!
Sebastian se enfureceu. Dorie mostrou-lhe a face, expondo a marca vermelha.
Ele ergueu a mão para tocar nos cabelos dela, mas as duas se retesaram diante do gesto.
— Subam para lavar o rosto. Cassie, você fez bem em proteger sua irmã. Portanto não receberá punição.



— Uma boa surra de vez em quando não fará mal àquelas garotas! — a srta. Thringstone declarou. — Elas não têm disciplina, respeito e bons modos!
— Creio que fui bem claro quanto à proibição de qualquer tipo de castigo físico. — Sebastian puxou uma folha de uma pilha de papéis que estava sobre a escrivaninha, entre elas uma carta de referências que a descrevia como a melhor governanta do país. Retomou a carta de demissão que escrevia.
— Se não apanharem, aquelas duas não aprenderão nunca a se comportar em sociedade. O senhor pode esquecer suas aspirações de transformá-las em damas.
— As meninas, em breve, serão apresentadas para a mais fina sociedade londrina — suas palavras foram a afirmação de um fato.
A srta. Thringstone não se intimidou. Bem-nascida e de boa educação, já havia trabalhado para as famílias mais ricas da Inglaterra. Com um tom que demonstrava seu desprezo pelo novo-rico, respondeu:
— Sr. Reyne, tenho certeza de que sua origem não lhe permite saber quais são as qualidades que uma dama refinada deve ter. Berço e criação são coisas que o dinheiro não pode comprar.
As sobrancelhas dele se curvaram com sarcasmo.
— É mesmo?
A governanta bateu o pé.
— Posso ensinar qualquer mocinha a se transformar numa perfeita lady, desde que ela tenha potencial, o que não acontece neste caso. Cassandra é selvagem, desobediente, argumentativa e usa um linguajar de sarjeta. — A mulher tremeu. — Nós já discutimos sobre aquele artefato que ela carrega!
Sebastian inclinou a cabeça.
— Garanto que ela deve ter seus motivos. Com o tempo, Cassie se sentirá segura o suficiente para se desfazer daquilo.
— Permitir que uma garota indisciplinada carregue aquilo... Bem, senhor, isso beira a insanidade!
Sebastian franziu a tesa.
— Cassie disse que a senhora bateu em Dorie porque ela não respondeu a uma pergunta.
A mulher ficou vermelha.
— Ela me desafiou.
— Teria sido mesmo um desafio?
— À maneira dela, sim. Eudora é quase tão teimosa e desobediente quanto a irmã; e continua com seus pequenos furtos.
— Pegar comida em sua própria casa não é roubo.
— Servir-se escondida da própria mesa talvez não seja. Mas entrar sorrateira na cozinha no meio da noite para apanhar o que quer que seja é roubo!
— Não nos falta o que comer. Dorie abandonará esse hábito quando entender que não passará mais fome.
— O mordomo disse que os ratos estão se tornando um problema.
— Sim, já fui informado.
— Se Eudora não for punida pelos pequenos delitos, com o tempo passará a furtar artigos de mais valor.
— Isso não acontecerá.
— O senhor será o culpado por suas irmãs não se ajustarem à sociedade! Não se importa com o mau comportamento delas, sr. Reyne!
— É claro que me importo, srta. Thringstone. Se não me importasse, eu permitiria que a senhora as surrasse. — Seus olhos azuis a fitaram com frieza. — O desafio é grande, mas estou acostumado a ultrapassar todos os obstáculos que surgem em minha vida. As meninas aprenderão a se comportar como verdadeiras damas.
— Encare os fatos, sr. Reyne. Nem com toda a fortuna do mundo o senhor conseguirá tornar aceitável à alta sociedade uma gata selvagem desbocada que carrega uma faca amarrada na coxa e uma garota que, apesar das doces feições, é mentalmente deficiente e não consegue falar.
Ela recuou sem querer diante da expressão dele, imaginando que iria levar um soco. Mas a entonação de Sebastian não se alterou:
— A senhora está demitida, srta. Thringstone. Deixe esta casa neste instante.
A governanta saiu da biblioteca. Sebastian sentou-se em sua cadeira e respirou fundo. Era a sétima governanta em quatro meses. Ele precisava de uma nova solução. Esticando-se, puxou o cordão da sineta.
— Mande entregar este bilhete para Morton Black — Sebastian ordenou assim que um criado veio atendê-lo.
Quarenta minutos depois, o administrador de Sebastian, Morton Black, chegava com seu passo manco devido à perna de pau que substituía a que fora perdida na batalha de Waterloo.
— Outra missão confidencial, Black, que envolverá uma viagem a Londres.
Black se mostrou surpreso.
— Muito bem, senhor. De que se trata desta vez?
— Preciso de uma esposa. De um tipo específico que não será fácil encontrar. Coloquei por escrito as especificações necessárias. — Entregou uma lista a Black.
O administrador deu uma rápida passada de olhos no papel.
— O senhor não diz nada quanto à aparência dela.
— Isso não importa. O caráter é que conta. A beleza desaparece, o caráter se fortalece.
— Mas o senhor é jovem...
— As instruções não estão claras, Black?
— Sim, senhor, sem dúvida. Começarei a procura agora mesmo. Antes que Black partisse, Sebastian escreveu uma missiva para seu velho amigo, Giles Bemerton. Teria necessidade da esperteza e do conhecimento de mundo de Giles para ajudá-lo naquela empreitada.
A princípio, não lhe passara pela cabeça tornar a se casar. Mas Sebastian Reyne não era homem de fugir a suas obrigações.




Capítulo I



Londres, Inglaterra, Abril de 1818

Mas ela não tem seios! Como você pode querer se casar com uma mulher que não tem seios?! Sebastian Reyne deu de ombros.
— De acordo com o relatório de Black, a fama preenche todos os requisitos necessários. Além do mais, é claro que lady Elinore tem seios. É uma mulher, não é?
— Quem pode ter certeza? — Giles Bemerton meneou a cabeça, sombrio. — Envolta em mil camadas de roupas como costuma andar, quem poderia garantir?
— O que está dizendo é bobagem, Giles.
Os dois conversavam numa sala minúscula que era parte da residência de solteiro que Giles costumava ocupar quando estava em Londres. Era tarde, e o fogo da lareira quase se extinguira.
— Além do mais, Elinore é quase dez anos mais velha que você.
— Apenas seis. — Sebastian tomou um gole de seu conhaque.
— Ela foge das pessoas e do casamento e, apesar da aparência, deve até ter recebido alguns pedidos. O pai da dama deve ter deixado uma boa herança. Por que Elinore iria querer mudar de idéia agora?
— Porque não tem opção. A mãe morreu no ano passado, deixando-a sozinha no mundo, e Elinore só receberá a fortuna paterna depois de três anos de casamento.
— Entendo. Mas você não precisa do dinheiro. Sendo assim, por que se unir a uma solteirona como lady Elinore? Sabia que já dancei com ela? Na ocasião, Elinore fez questão de deixar bem claro que me achou repugnante!
Sebastian conteve o riso. Giles era bem apanhado e costumava fazer muito sucesso com as mulheres.
— Outro ponto a favor. A lady demonstra ter bom senso.
— É excêntrica, isso sim! A única paixão dela é o trabalho com órfãs e necessitados. — Giles se arrepiou. — Eu lhe digo, isso é loucura. Por que alguém iria querer se casar com lady Elinore Whitelaw, enquanto o mercado está repleto de mocinhas alegres e bonitas?
Sebastian se encontrara com lady Elinore na semana anterior. O assunto girou em torno de trabalhos de caridade, e as respostas dela confirmaram sua escolha. Lady Elinore dedicara grande parte de sua vida a um trabalho com crianças órfãs. Sem dúvida era a pessoa certa para seus propósitos.
— Basta, Giles. Minha decisão está tomada. Quero uma mulher séria e corajosa para lidar com minhas irmãs, e não uma garota bonita que só pensa em bailes e diversões.
— Mas vocês não têm nada em comum, Sebastian.
— Não me importo. O importante é ter uma esposa que me ajude a oferecer um lar e uma família estáveis para minhas irmãs. Tenho de recuperar a confiança delas.
— O que quer dizer com isso? Você é a pessoa mais confiável que conheço.
— Obrigado, meu amigo. Mas as duas passaram por experiências que deixaram marcas profundas.
— Sinto muito, Sebastian. Sei o quanto você se preocupa com aquelas meninas.
Ninguém imaginava o quanto doía em Sebastian o fato de suas irmãs não confiarem nele.
— Conto com a experiência e o bom senso de lady Elinore para me auxiliar nesse propósito.
— Bom senso! — Giles fez um esgar. — E quanto ao amor?
— Amor é uma mentira contada para as crianças.
— Não, Sebastian; trata-se de um jogo muito divertido, isso sim.
Sebastian esboçou um sorriso cheio de sarcasmo.
— Você perdeu o romantismo, e tudo por culpa de sua falecida e do pai dela.
— Faça o favor de se referir com mais respeito a meu sogro e a minha mulher. Se não fosse por eles, nada disto poderia estar acontecendo. Temos de aceitar os altos e baixos da vida.
— Sei disso, mas, mesmo assim, depois de tudo o que eles lhe fizeram...
— Sim, e eu sou uma flor de pessoa. Agora pare com essa história, Giles.
— Meu Deus, como você é teimoso! Sebastian deu risada.
— Afinal, vai ou não me ensinar a cortejar uma dama da sociedade londrina?
— Eu não perderia isso por nada no mundo!
— Sabia que podia contar com você, Giles. — Sebastian pousou a taça vazia e se espreguiçou. — Bem, tenho um compromisso amanhã, bem cedo. Aulas de dança de salão.
Giles soltou uma gargalhada.
— Creio que não posso perder isso.
— Experimente correr o risco, Bemerton!
— O mundo todo veio parar aqui! — Giles dizia, dez dias depois, ao entrar com Sebastian no salão de baile da Frampton House.
Ele ia indicando todas as pessoas interessantes, e Sebastian ouvia sem o menor interesse, pois estava lá por um único motivo.
— Você viu lady Elinore?
— Sim, sim, logo ali — Giles respondeu, impaciente.
— Ótimo. Não percamos mais tempo. Rápido, Sebastian foi ao encontro dela.
— Um pouco mais de sutileza, caro Sebastian, é só o que lhe peço — Giles sussurrou, ao ser arrastado pelo amigo em meio à multidão. — Tenho uma reputação de homem fino a zelar. Portanto, devagar!
Sebastian sorriu, sem diminuir o passo. Queria acabar com aquela etapa o quanto antes e voltar para o que sabia fazer melhor: trabalhar.
— Lady Elinore? — Sebastian se inclinou, fazendo uma reverência.
De soslaio, viu Giles lançando um olhar para lembrá-lo da conversa que haviam tido e, sem pensar, Sebastian a analisou. Giles tinha razão: ela parecia não ter seios.
— A senhorita está encantadora, milady.
Tanto ela quanto Giles estampavam um certo estranhamento no semblante. Lady Elinore era uma mulher pequena, muito pálida e magra, com cabelos acinzentados presos para trás num coque apertado e coberto com um chapeuzinho estranho. Naquela ocasião, usava um vestido liso cinza-escuro. A tonalidade roubava toda a cor de sua pele, e o corte reto e severo do traje não valorizava seus contornos.
— Como o senhor tem passado, sr. Reyne? — lady Elinore murmurou. — Espero que esteja melhor, hoje. — Acrescentou Giles.
— Ah, sim, meu amigo, o sr. Giles Bemerton. Creio que vocês já se conhecem.
Lady Elinore cumprimentou Giles com uma frieza desconcertante.
— Acho que não.
Era evidente que lady Elinore não se lembrava de já ter dançado com Giles. Sebastian assistiu a seu amigo engolindo a humilhação e se inclinando com graça.
Para poupar Giles de maiores embaraços, Sebastian convidou Elinore para a próxima dança.
Sebastian percorria o salão de dança, impaciente. Fazer a corte era uma tarefa cansativa, e aquele mundo de gente elegante e fútil o deixava exausto.
Era um mundo de beleza e frivolidade, onde as pessoas eram superficiais e não faziam a menor idéia da luta que a maioria dos seres humanos tinha de enfrentar em prol da sobrevivência. Seus corpos eram robustos e bem alimentados, sem sinais de fome e mutilações por longas horas de serviço repetitivo numa fábrica.
Sebastian não pertencia àquele meio. Não fazia parte da alta sociedade. Não tivera uma infância encantadora como a maioria dos ali presentes.
Olhou para suas mãos calejadas, para seus dois dedos deformados da mão esquerda. Giles o avisara para que usasse luvas o tempo todo, mas Sebastian não quis. Recusava-se a esconder sua verdadeira imagem.
No intervalo entre uma dança e outra, Sebastian foi surpreendido por algo inesperado.
— Quem é aquela, Giles?
— Até que enfim! Quero dizer: excelente! Existem dúzias de mulheres bonitas aqui. Não que você esteja interessado em nenhuma outra além de lady Elinore, pelo que sei. Mas não dói nada admirar. Qual delas lhe chamou a atenção?
Qual delas?, Sebastian se indagou. Havia apenas uma. Giles podia achar que existiam dúzias de belas mulheres naquele salão, e estava certo. Mas aquela que via não era apenas formosa; era estonteante.
A jovem dançava, deslizando pela pista num deslumbrante vestido azul-celeste, e por um instante seu olhar se encontrou com o de Sebastian, que ficou sem fôlego. De estatura média, suas formas eram delgadas e perfeitas. Os cabelos, dourados, não amarelos, com cachos macios em torno da cabeça. A pele, alva e tenra. A distância, não era possível ver a cor de seus olhos, mas eram grandes, e Sebastian imaginou que seriam azuis. Quanto ao rosto, não tinha palavras para descrevê-lo; era sem dúvida o mais lindo que já vira.
Uma face de anjo, sem a presunção e a calma artificial que os anjos das pinturas costumam ter. Aquele a sua frente possuía o brilho da vida, com um delicioso quê de travessura somado à alegria de viver.
Sebastian a observava, fascinado. Era uma bela lady, mimada e protegida de todo o mal do mundo, que fora criada para o prazer e a alegria. Bastava um simples olhar para se perceber que a jovem só queria dançar, se divertir.
Ao contrário de Sebastian, que passara a maior parte de seus dias no meio da fumaça, do barulho, da sujeira e da privação. Mesmo tendo se tornado rico, ainda pertencia àquele meio. A única razão que o levara a entrar no ambiente esplêndido da sociedade londrina foi a necessidade de encontrar uma esposa.
Tinha de ser uma mulher forte, que conhecesse as agruras da existência, cujo companheirismo permitisse que ela superasse os obstáculos junto dele.
Aquela fada perfeita e jovial nem de longe seria essa companheira.
Ninguém tinha o direito de arrasar com aquele espírito virtuoso. Se ele a arrastasse para seu mundo triste, a alegria e vivacidade dela seriam esmagadas, e a moça morreria de desilusão como a mãe dele. Nenhum homem poderia passar por aquilo duas vezes. Com certeza, Sebastian não. Sua porção de culpa era o suficiente.
Porém, não havia mal nenhum em continuar apenas se deleitando. Se um gato podia ficar olhando para uma rainha, Sebastian Reyne poderia fazer o mesmo com aquele anjo.
Com um cutucão, Giles o despertou para a realidade. Sebastian tossiu e ajeitou a gravata.
— Podemos ver tudo daqui. — Ele estalou os dedos para um garçom que passava e pediu uma bebida. — Agora me diga, Sebastian, qual das moças lhe chamou a atenção? Ah, já sei! Deve estar encantado com uma das gêmeas virtuosas. Elas são lindas, e tão parecidas como o reflexo de um espelho.
Sebastian meneou a cabeça. A garota que vira era única.
— Só perguntei por curiosidade, Giles. Você sabe que só estou aqui por causa de lady Elinore.
— O curioso é que uma delas é destra, e a outra, canhota. Só não sei quem é quem. A canhota não gosta que saibam desse pormenor. Mas me disseram que a diferença marcante está na personalidade delas. Faith é a mais quieta, e Hope, a mais alegre. Não que eu tenha muita intimidade. Garotas de respeito que estão à procura de um marido não fazem meu tipo, você sabe.
— Sim, eu sei. Mas isso não importa, Giles. Já fiz minha escolha.
— Em qual das duas está de olho? Na que está dançando ou naquela ao lado de lady Augusta? Lady Augusta é uma senhora encantadora. Sir Oswald Merridew, o sujeito que está dançando com uma das gêmeas, é enamorado da lady. Soube que ele a pediu em casamento inúmeras vezes, mas ela sempre recusa.
Sebastian bufava, enquanto Giles tagarelava. Não podia estar menos interessado se a exuberante lady tinha um namorado ou não. Seu único interesse era saber o nome da bela criatura de azul.
— Afinal, Giles, qual o nome da dama de azul?
— Uma das gêmeas, então. Mas ambas estão de azul. Você tem bom gosto, Bas. Ambas são criaturas gloriosas. Muito sensíveis, sérias e respeitosas. Mas a qual das duas se refere?
Sebastian franziu o cenho. Elas eram idênticas. Giles tomou a cutucá-lo, impaciente.
— A de vestido azul-celeste ou a de anil? Houve uma longa pausa.
— A que dança com aquele senhor.
— Certo. O cavalheiro que a conduz é sir Oswald Merridew, tio-avô dela. Creio que é a srta. Hope. Não posso garantir.
— Srta. Hope?
— Ou talvez seja a srta. Faith. Já disse que confundo as duas.
— Entendo.
Hope era o nome dela. Ou Faith. Com esforço, Sebastian desviou-se para a irmã, que não estava dançando. De fato a semelhança impressionava, mas sua fada tinha um brilho especial.
— Qual o sobrenome das moças?
— É Merridew, da família Norfolk Merridew. Elas têm ainda outras irmãs: Prudence, que agora é lady Carradice; e Charity, que se casou com o duque de Dinstable; e acho que ainda tem mais uma chamada Grace, a caçula. As gêmeas vivem com sir Oswald.
Giles esfregou as mãos.
— Bem, siga-me, vamos dar um jeito de apresentá-lo. Sebastian segurou o braço do amigo.
— Não, obrigado. Só estava curioso.
— Não quer ser apresentado às gêmeas virtuosas? Não se trata de uma beleza comum. Elas são encantadoras. A srta. Faith é doce e suave, e a srta. Hope... tenho quase certeza de que é a que está dançando... é muito alegre. Veja por você mesmo.
— Posso perceber. — Sebastian se esforçava por demonstrar indiferença. — Ela chamou minha atenção pela maneira como se movimenta. Com uma certa... exuberância.
— Ah, sim... Isto é verdade. Ela é mesmo muito exuberante. Mas com muita decência. De um modo muito sensível e extremamente racional. Não frívola.
— Pare com isso, Giles! Giles riu.
— Na realidade, acho que você deveria conhecê-las. Aquelas garotas são diferentes. Não fingem tédio só para impressionar. Quando gostam de algo, elas demonstram!
— Sei. — Sebastian observava a fada de azul rodopiando na pista e deixando todos os homens boquiabertos. — Como você mesmo disse, posso ver que se trata de uma moça de sorriso fácil, que o lança para todos os homens que estiverem a sua frente. Creio que é esse tipo de comportamento que a sociedade tanto admira.
Sebastian virou-se de costas para ela, fingindo desinteresse. Tinha de ignorá-la. Aquela dama era tudo o que ele não queria como esposa. Lady Elinore Whitelaw, sim, era perfeita para suas necessidades.
— Você me entendeu mal, Bas! São garotas de respeito, e não daquelas...
— Isso não faz diferença, Giles. Sabe muito bem que estou aqui para fazer a corte a lady Elinore, e não para conhecer bonequinhas mimadas e acostumadas a terem tudo o que querem. Lady Elinore é um mulher madura, e não se compara a essas irmãs Merridew. Agora, chega dessa história. Vamos circular um pouco. Você veio para apreciar as beldades em exibição, não é?
Giles piscou, sarcástico.
— Posso aceitar sua falta de sutileza, apesar de saber que você sabe ser sutil quando quer. Mas, Bas em exibição? Isto chega ser vulgar!
Sebastian arqueou as sobrancelhas.
— Ei, Giles! Vai começar a quadrilha. Você prometeu dançar com lady Elinore, não foi?
Giles deu uma guinada e se apressou na direção de lady Elinore. Sebastian quase sorriu, observando a dupla se preparando: Giles cheio de graça e charme em seus trajes impecáveis, e lady Elinore rígida e cheia de formalidade em seu vestido sem graça.



— Sra. Jenner, quem é aquele cavalheiro? — Hope Merridew se dirigia a sua acompanhante, uma senhora de meia-idade muito bem vestida.
Hope o notara durante os últimos acordes da melodia. Seu olhar penetrante pareceu tocá-la fisicamente, com uma força tão intensa que a deixou arrepiada.
Alto e musculoso, ele exibia o tipo de solidez e vigor que a assustava. Após uma infância sob o jugo de seu alto, poderoso e insano avô, Hope jurara para si mesma que jamais se colocaria nas mãos de um homem como aquele outra vez.
Um estremecimento a percorreu. Não que estivesse com medo, pois desde que ela e Faith escaparam da truculenta custódia do avô nada mais a assustava com facilidade. Mas havia algo de tão... peculiar na maneira como o desconhecido a encarava!
Desde que chegara a Londres, Hope se acostumara aos olhares curiosos. As pessoas têm um certo fascínio por gêmeos; e as irmãs sempre foram alvo de olhares e comparações em busca de diferenças e semelhanças entre elas.
Mas aquele homem a fez sentir-se diferente de alguma forma. Como se ele não estivesse analisando as gêmeas; olhava apenas para ela.
Sebastian — pois outro não era se não ele — se inclinou e disse algo a Giles. O contraste entre os dois homens era divertido; o sr. Bemerton era magro e elegante, com uma aparência reluzente. Sebastian, grande e enigmático, tinha traços fortes e um semblante meditativo e melancólico.
A bela e a fera, diria Hope. Não que ele fosse uma fera de fato, mas a vida havia deixado marcas em seu rosto. Mesmo à distância dava para ver que seu nariz fora quebrado uma vez. No entanto, não foi seu olhar severo e triste que tanto intrigou Hope, mas sim a maneira indiferente como ele se movimentava, parecendo um príncipe guerreiro em meio à civilização. Não com uma pomposa arrogância, mas com uma segurança serena.
— Hum... Qual deles, minha querida? — A sra. Jenner olhava ao redor.
— Aquele alto, que parece estar vestido para um funeral e circula pelo salão de cenho franzido. Creio que nunca o vi antes.
Decerto jamais o vira. Afinal, quem poderia esquecer alguém assim?
A sra. Jenner ergueu o monóculo.
— Para um funeral você disse? Metade dos jovens de hoje se vestem desse jeito, minha bela. Em meu tempo eles se trajavam como jovens pavões, em calças de cetim e casacas maravilhosamente bordadas. Ah, céus, aquele rapaz! O garoto sapeca, Giles Bemerton, está introduzindo o sujeito nas melhores rodas, apesar de eu não ter certeza de que deveria.
— E por que não?
— O homem parece um estivador! — A sra. Jenner suspirou. — Não me espanta. Com sua origem...
Como se tivesse percebido que era o tema da conversa, Sebastian girou o pescoço de leve e as encarou. Mais precisamente Hope. Não havia nenhuma sutileza no olhar dele. Era uma expressão clara e direta de desejo.
Sem forças para quebrar o encanto, Hope sentiu uma quentura súbita percorrê-la por inteiro.
A sra. Jenner estalou os dedos.
— Não olhe, minha querida! Aquele sujeito não serve para você.
A breve troca de olhares a abalou muitíssimo, e a atingiu de uma maneira nunca imaginada. Hope queria passar perto dele, olhar dentro de seus olhos, ouvir sua voz, tocar suas mãos.
Seria o homem de seus sonhos? Não podia ser. O destino não poderia ser tão cruel. Não queria um homem forte e com jeito autoritário, que lembrasse seu avô.
Desfilando pelo salão, elas encontram um lugar para sentar. Com os joelhos trêmulos, Hope se acomodou com graça. A sra. Jenner despachou alguns jovens que se aproximaram, e, em seguida, sentou-se ao lado da srta. Faith.
— Deixe-nos descansar um pouco, por favor, cavalheiros. As garotas e eu temos de recuperar o fôlego.
Os rapazes se afastaram, sem jeito.
Mesmo de longe, Hope continuava observando Sebastian. A estatura dele facilitava. O sr. Bemerton cumprimentava vários conhecidos aqui e ali, apresentando seu amigo, que respondia com educação, apesar dos ares de tédio.
Ele se abaixou e fez alguns comentários com o sr. Bemerton, que tombou a cabeça para trás e riu. O olhar feroz desapareceu, dando lugar à ironia e ao humor. Era mais jovem do que Hope supusera. Quase da mesma idade de Giles Bemerton; algo em torno de trinta anos. Estranho como pareceu-lhe mais velho antes, como se carregasse um fardo.
Uma amizade interessante, Hope concluiu. Não conhecia o sr. Bemerton muito bem, mas ele sempre pareceu-lhe uma pessoa alegre, um bon vivant, como a sra. Jenner diria, com algo de libertino. Era difícil crer que pudesse ter amizade com alguém tão sério e fechado.
Tomando um refresco, Hope retomou seu tom casual:
— Sra. Jenner, por favor me diga: quem é ele? Confesso que estou curiosa. O cavalheiro me parece deslocado, mas ao mesmo tempo demonstra não se importar.
A sra. Jenner suspirou, hesitou, então falou entre os dentes:
— Ele é um cogumelo. Hope deu risada.
— Um cogumelo bem grande, a senhora não acha? Deve ter mais de um metro e oitenta.
— Quieta! Sabe bem o que eu quis dizer, Hope. Trata-se de um forasteiro, um novo-rico! Mais: o homem não serve para uma lady. Giles Bemerton precisa ser advertido! Aquele safado deve ter persuadido o pobre rapaz a apresentá-lo à sociedade. Não há outra explicação, pois o sr. Giles pertence a uma família tradicional, e tenho certeza de que em hipótese alguma se envolveria com um desclassificado como aquele.
— É mesmo? — Faith indagou. — A senhora acha que o tal chantageou o sr. Bemerton para alcançar seus propósitos?
— Como eu poderia estar a par desses detalhes sórdidos? Mas deve ter alguma coisa envolvida, como dívida de jogo ou aposta. Guarde minhas palavras.
— Eu não teria tanta certeza. — Hope julgava os dois homens, pensativa. Dava para ver que existia um afeto sincero entre eles.
E, além do mais, para alguém que talvez tivesse comprado seu ingresso naquele meio, ele não parecia se esforçar muito para se integrar. Os novos-ricos faziam de tudo para agradar. A menos que o cavalheiro imaginasse que demonstrar aborrecimento e impaciência fosse uma atitude encantadora.
— Como a senhora disse que se chama?
— Eu não disse. — A sra. Jenner tomou um gole de seu ponche. — A decoração não está uma beleza?
— Sim, muito elegante. O nome dele é...
A determinação de sua acompanhante em mudar de assunto era irritante. Hope sabia que tio Oswald esperava que ela e Faith fizessem um ótimo casamento, de preferência com um duque ou um marquês.
A sra. Jenner abriu o leque e se abanou com vigor.
— É lógico que é encantador da parte dos Frampton terem convidado todas essas pessoas, mas, meu Deus, está muito quente aqui!
— Sim, muito quente — Hope disse, amável —, mas a brisa que entra pela janela é bem refrescante, não é? Posso descobrir como o estranho se chama com outra pessoa, sra. Jenner. Tenho certeza de que uma dúzia de convidados ficaria muito feliz em me dizer. Todos adoram um mexerico, não é mesmo?
— Muito bem! É Sebastian Reyne. Sebastian Reyne. Combinava à perfeição.
— E o que mais a senhora sabe sobre o sr. Reyne? A sra. Jenner fitou o teto.
— Ele surgiu do nada, tem muito dinheiro, apesar de sua riqueza ser procedente da... lama.
— O sr. Reyne não tem família?
— A família Reyne é muito conhecida, mas Sebastian não é considerado parente.
— Quer dizer que ele é ilegítimo? Se for isso, é uma lástima, mas não vejo razão para que seja estigmatizado por isso. Conhecemos várias pessoas que são ilegítimas. Não é segredo algum.
— Hope ficara indignada.
— Menina! Não ouse compará-lo a nossa gente! Tudo o que falei foi que a família Reyne não o conhece. Qualquer um pode usar um sobrenome. Se Sebastian tem o direito é outra história.
— Bem, por que é tão indesejado, então? — Faith perguntou.
— Parece-me meio sinistro, e não deixa de ser intimidante. Sinistro era um pouco forte demais, na opinião de Hope. Intimidante, sim. Sebastian continuava a olhando e dava a impressão de que a qualquer momento iria apanhá-la e levá-la dali.
Hope imaginou como seria ser carregada por um homem como aquele. Ah, sim, seria muito bom! A sra. Jenner meneou a cabeça.
— Não estou dando minha opinião baseada nas aparências, apesar de concordar com você, querida; ele é nojento.
— Nojento! — Hope se voltou para ela. — Não concordo, de modo algum. Muito sério, sem dúvida, mas há uma certa... masculinidade nele que o torna atraente.
Ela sentiu os olhares surpresos da irmã e de sua acompanhante.
— Eu não quis dizer... Você me conhece muito bem, Faith.
Sebastian não faz meu gênero. Mas não há como negar que é interessante.
Muito mais que isso, na verdade. Era forte, másculo, excitante e a olhava com uma fome e um desejo que Hope nunca vira nos olhos de nenhum homem, até então.
— Sra. Jenner, não se preocupe. Hope nunca se interessaria por alguém como aquele rapaz.
— Por que diz isso, Faith? — a sra. Jenner indagou, espantada. Faith sorriu.
— É óbvio. Mude um pouco os traços dele e o imagine com mais cinqüenta anos, e a senhora estará olhando para vovô.
— Faith! Sebastian não tem nada a ver com vovô!
— Repare bem, Hope. É tão alto, forte e carrancudo quanto nosso avô.
Hope foi obrigada a admitir que a irmã tinha razão. Por fora, o sr. Reyne lembrava mesmo o avô.
Mas, apesar das palavras de Faith, a sra. Jenner continuou de olho em Hope como um falcão. Do outro lado do salão, Sebastian continuava observando; um predador muito maior. A provocação era irresistível.
Hope esperou que ele a fitasse de novo, e então abanou o leque com um tom de flerte, não o suficiente para parecer um convite explícito, mas um sinal discreto de que também o observava.
Sebastian endureceu a expressão e deu-lhe as costas. Hope sorriu consigo mesma. Então o sr. Reyne não aprovou o flerte dela...
A sra. Jenner segurou seu braço e a repreendeu:
— Não brinque com fogo, senhorita, pois aquele homem é perigoso! Dizem que está à procura de uma esposa, e tenho dó da pobrezinha que for apanhada.
— Por quê? — Hope ficou um tanto perturbada com o que acabou de ouvir. — Por que dó?
Contudo, quando a sra. Jenner ia explicar, dois rapazes se aproximaram das gêmeas para convidá-las para dançar.
Rodopiando na pista Hope, podia ver que Sebastian voltara a observá-la, e assim continuou durante toda aquela música.
Todavia, o alerta da sra. Jenner ainda a perturbava.
Hope não se considerava mais uma mocinha ingênua que precisava contar com os pareceres da sra. Jenner, mas depois que suas irmãs Prudence e Charity se casaram, tio Oswald decidiu que seria bom ter alguém para ajudá-lo a tomar conta das gêmeas; enquanto ele se concentrava em seu namoro com lady Augusta Montigua Del Fuego. A escolhida foi a sra. Jenner. Ela era uma prima distante e, apesar de ser um tanto tola, conhecia toda a nata da sociedade londrina. O que seria muito útil!

A próxima dança estava prestes a começar, mas a atenção de Sebastian não era mais para Hope. Ele conversava com uma mulher. Hope se levantou para ver melhor e se espantou ao constatar que Sebastian falava com lady Elinore Whitelaw.
Hope piscou várias vezes. Lady Elinore? Quem imaginaria que um cavalheiro viril como aquele estaria interessado numa solteirona convicta como lady Elinore?
No entanto, suas conjecturas foram interrompidas por um jovem que veio tirá-la para dançar.
Na pista, os olhinhos de Hope acompanhavam o casal inusitado. Os dois juntos faziam um contraste estranho. Ele, muito alto, moreno e ameaçador. Ela era pequena, pálida e sem graça.
Assim que o número terminou, Sebastian conduziu Elinore para a sala de jantar. Os dois compartilhavam a mesa com o sr. Bemerton e sua parceira, uma dama muito bonita, com um vestido de seda verde.
Após o jantar, Hope voltou para a pista de dança, várias vezes, deslizando com sua altivez e beleza de sempre. E se estava mais quieta do que de costume, seus parceiros não se haviam dado conta, pois se achavam alegres demais por terem a honra de dançar com uma das gêmeas.
Mas à medida que a noite ia chegando ao fim, Hope foi perdendo as esperanças de ser procurada pelo sr. Reyne. Aborrecida, disse a si mesma que havia feito papel de boba, olhando para um sujeito que não se dera sequer ao trabalho de vir lhe falar pessoalmente. Além do mais, a última valsa já ia começar, e Hope teria de escolher quem seria o felizardo a tirá-la para dançar.
A última valsa era a preferida de Hope, e tudo por causa de um sonho que ela e Faith tiveram. Um sonho encantado, de amor e destino, que elas acreditavam ter-lhes sido enviado pela falecida mãe. Quando ambas despertaram, de madrugada, e conversaram foi sensacional: tinham sonhado a mesma coisa, porém com algumas diferenças sutis.
No de Hope, ela se viu envolvida na luz fria do luar, cercada por sombras ameaçadoras. Sentia-se desesperada e com muito medo, quando então um homem surgiu, ergueu-a em seus braços e de repente eles estavam valsando. Apesar de não ter visto o rosto dele, Hope nunca se esqueceu desse sonho e da maravilhosa sensação que teve ao valsar com seu herói desconhecido.
O de Faith era muito semelhante, com a diferença que o herói dela, em vez de dançar valsa, tocava uma música maravilhosa e contagiante.
O poder do que sonharam era tão forte que nenhuma delas pôde se esquecer. E as nutriu de esperança enquanto viveram com o avô. E, desde que chegaram a Londres, Hope adquiria o hábito de nunca reservar a última valsa para ninguém; deixando sempre para escolher o parceiro no último segundo. Quem sabe aquele seria seu momento mágico?
O costume já era conhecido por todos. Apesar de não saberem o motivo, o resultado era sempre um pequeno aglomerado de cavalheiros que se aproximavam, no final do evento, torcendo por serem escolhidos.
Uma voz suave se fez ouvir:
— Srta. Merridew, gostaria de lhe apresentar um amigo que adoraria ter a honra de dançar a valsa com a senhorita.
— Quem sabe... — Hope respondeu, muito alegre, e levou um susto quando, ao se virar, deparou com o ilustre cavalheiro em questão.
Por um momento, ela mal pôde respirar. O olhar dele a devorava. Hope o encarou, encantada.
— Sr. Giles, que bom vê-lo — a sra. Jenner cumprimentou, com um largo sorriso. — Como vai sua mãe? — A senhora sorriu mais uma vez. — Então você quer dançar com a srta. Hope, meu rapaz?
Ela pôs a mão de Hope sobre o braço de Giles.
— É claro que dou minha permissão.
Mas Giles, muito esperto, transferiu de imediato a mãozinha da dama para o braço de Sebastian.
— É o sr. Reyne quem deseja dançar com a srta. Merridew. Sebastian conduziu Hope para a pista, e a sra. Jenner, sem poder fazer mais nada, seguia com Giles, que a conduziu a um local distante dali.
De perto, o sr. Reyne parecia ainda mais alto e muito mais intimidante. E era bem mais bonito também.
— Então, srta. Merridew... me dará a honra da próxima dança? Hope hesitou, olhando para a poderosa mão que Sebastian lhe estendia, cheia de cicatrizes. A presença física dele era potente e desconcertante. Na verdade havia algo naquele homem que a intrigava. Os cavalheiros ao redor notaram a incerteza, e já se aproximavam para tentar a sorte, quando ela afirmou:
— Sim, sr. Reyne. Eu aceito.
Sebastian sentiu-se um ogro esmagando os dedinhos de uma fada. Então, pousou a outra mão em torno da cintura dela, experimentando, sobre o delicado tecido do vestido, a saliência quente de sua carne.
Como conseguiria dançar quando o desejo era de abraçá-la? Temendo perder o controle, segurou Hope com firmeza a uma distância segura e deu o primeiro passo, como se estivesse saltando para um desfiladeiro. Sem olhar para baixo.
E Sebastian Reyne não costumava agir por instinto, e sim pela lógica e pelo bom senso.
Porém, o que sentia naquele momento era volúpia, e volúpia nunca vinha acompanhada da lógica e do bom senso.
— É costume conversar enquanto dançamos, sr. Reyne.
Conversar?, Sebastian pensou. Mas como seria possível encontrar algo para dizer com uma mulher como aquela em seus braços?!
Mesmo que soubesse o que dizer, não podia garantir que sua voz iria sair. Sua boca estava seca, a língua, grossa, e toda sua anatomia reagia a Hope.
— Ah, é claro! Pode falar, então — foi a saída dele.
Uma risada macia flutuou no ar, que soou como água na fonte, como gotas de chuva e diamantes.
Sebastian se arrepiou, e sua imaginação o fez ver-se apertando-a e beijando-a até que eles perdessem os sentidos.
Mas achavam-se no meio do salão de baile. Um, dois, três. Um dois, três, Sebastian contava mentalmente.
— Nunca o vi num baile antes. O senhor é novo em Londres?
— Sim, eu sou.
— Pretende passar muito tempo aqui?
— Não muito.
Apenas o necessário para se casar com lady Elinore.
— Que pena... Há tantas coisas boas para aproveitar em Londres! — exclamou.
Havia muita coisa boa para aproveitar nos braços dela, naquele momento.
Sebastian continuava tentando se concentrar, mas o delicado perfume de Hope o inebriava. Era um delicado cheiro de mulher com um toque de... rosas? Baunilha?
O salão estava repleto, lotado de gente aquecida e mil perfumes diferentes. Como então podia estar sentindo o aroma dela? Mas o fato era que podia. Que delícia a delicada fragrância daqueles cachos dourados!
Hope se apoiou nele, entregando-se por completo ao condutor, respondendo a cada movimento dele como uma pluma pairando ao vento. Os lábios dela estavam entreabertos, e os olhos, meio fechados. Ela suspirou.
— A valsa é uma dança divina. O senhor não acha, sr. Reyne?
— Não, não acho — Sebastian resmungou, sem conseguir tirar os olhos dos lábios dela.
Tão perto... e tão longe. O castigo de Tânatos.
Os olhos dela se arregalaram, surpresos, e Hope sorriu.
— O senhor me intriga. Se não gosta da valsa, por que me tirou para dançar?
Um casal vinha na direção deles, e o choque seria inevitável. O homem, um camarada obeso vestindo uma calça roxa e um casaco brilhante, dava a impressão de estar bêbado, e mesmo depois de Sebastian o alertar com um olhar frio, o sujeito titubeou. A parceira dele tentou segurá-lo, mas o peso fui muito para ela, que o soltou.
Sebastian puxou Hope contra o peito e virou-se de costas, formando um círculo de proteção, impedindo com um braço que o homem se chocasse contra eles.
Sebastian segurou o estranho pelo colarinho e o jogou longe.
— Desculpe-me, companheiro. Escorreguei. Esse chão encerado é uma desgraça! — dizia o bêbado, muito sem jeito.
— Devia ser proibido por lei um cavalheiro se deixar levar pelo conhaque dessa maneira. — E Sebastian retomou a dança com Hope. — A senhorita está bem?
— Obrigada, estou sim. — Hope ficou corada, mas não fez nenhum movimento para tentar se livrar do abraço de Sebastian. — Mas e o senhor? Tudo certo? O choque foi violento.
— Imagine, senhorita. Seria necessário muito mais do que o encontrão de um senhor ébrio para me derrubar.
Ela franziu a testa como se não estivesse convencida, e sua preocupação chamou a atenção dele. Desejando tranqüilizá-la, Sebastian flexionou o braço umas duas vezes.
— Viu? Nenhum dano.
Hope o fitava com um sorriso no rosto, sentindo-se aquecida contra o tórax dele.
Talvez estivesse mais trêmula do que queria admitir. Moças bem-nascidas tinham de ser muitíssimo delicadas. A srta. Hope era bela e esbelta e parecia ser frágil o suficiente para se quebrar. Sem dúvida fora superprotegida durante toda a vida. A trombada com o lorde bêbado devia tê-la deixado zonza. Era por isso que estava recostada contra ele, sem se dar conta do ato impróprio. Só poderia ser essa a razão. Uma dama como aquela jamais encorajaria os avanços de alguém como ele.
O lado primitivo de Sebastian queria se aproveitar da distração dela, mantê-la ali, aninhada contra si por mais tempo; de preferência para sempre. Contudo, a parte sensata sabia que aquilo era uma fantasia tola e o lembrava de que sua obrigação era proteger a reputação dela, assim como o corpo da jovem. Desse modo, Sebastian se afastou, dizendo, gentil:
— A senhorita está tremendo. Devo trazer-lhe um refresco? Ou prefere se sentar?
Hope riu.
— Oh, céus, não! Não sou uma criatura tão fraquinha quanto pareço. E não desperdiçaria nem um segundo da nossa primeira valsa. — Lançou um sorriso estonteante e disse: — Estou adorando. E o senhor?
Sebastian tropeçou e ficou contando mentalmente: Um, dois, três. Um dois, três...
Nossa primeira valsa...
Sebastian precisou de alguns minutos para recuperar o ritmo. O jeito dela e suas palavras impediam-no de fixar a atenção ao que fazia. Mas se havia algo de que se orgulhava era de seu autocontrole, e logo eles já voltavam a rodopiar, com toda a segurança.
Intrigado com a colocação dela, afirmando que aquela era a primeira valsa deles, Sebastian buscou-lhe o olhar, na esperança de achar alguma pista sobre o que ela quisera dizer com aquilo. E, para sua surpresa, Hope também o observava. E a beleza dela o deixou zonzo. O rosto de seu anjo resplandecia de alegria.
— Tudo bem. Não me importo que o senhor volte a ficar calado. É difícil dançar e falar ao mesmo tempo. Eu entendo, e prometo que não o incomodarei. Quando dancei em meu primeiro baile, estava tão apavorada que pisei nos pés de meu par.
Hope falava de maneira calorosa e compreensiva, mas a concessão incomodou Sebastian.
— Este não é meu primeiro baile, senhorita.
— O segundo, talvez?
A dama tinha razão, mas ele não iria admitir assim tão fácil.
— Aprendi a valsar há pouco. Monsieur Lefarge quase se desesperou com minha falta de jeito. Eu não conseguia pegar o ritmo, sou muito desajeitado.
Hope ficou surpresa. Como assim? É ridículo imaginar um homem assim magnífico como um desajeitado...
— Por muito tempo tive de fazer a marcação baixinho: um, dois, três, um dois, três. — Os olhos muito azuis de Hope brilhavam. — Foi uma tristeza descobrir que era uma dançarina bem ruim. Sempre quis muito aprender a valsar. Vir a Londres e rodopiar junto de um cavalheiro elegante sempre foi meu maior sonho. — Suas faces coraram.
O efeito nele foi instantâneo. Excitante.
Sebastian ficou horrorizado. Aquilo nunca lhe acontecera em público; pelo menos desde que era ainda muito jovem. Cerrou as pálpebras, esforçando-se para afastar de si os pensamentos mais tentadores.
Para disfarçar, perguntou:
— Seu nome é Faith ou Hope?

Um comentário:

  1. Ai simplesmente adorei esse livro. A série toda é uma delicia,mas esse é umn dos melhores pra mim....

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    Um beijo enorme!

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